Ainda não esqueci suas manias
Todas elas ainda me pairam a cabeça e por mais que eu tente, elas não sumiram ainda. Eu lembro de todas elas. Claro, eu prestava atenção em cada uma como se fosse a coisa mais importante do meu dia.
A começar pela suas mãos que suavam praticamente os 70% de água que você tinha no corpo quando ficava nervosa. Mas isso nunca me incomodou, por que eu sempre tive a pele muito seca e segurar sua mão nunca foi problema.
Confesso também que quando alguém me dá um olhar de canto de olho, minha cabeça viaja imediatamente à você. Porquê? Ora, era só falar sobre algo que você não sabia, ou achava estranho, que você torcia a cabeça e olhava pela extremidade do canto dos olhos como quem dissesse “Que merda é essa, que você tá falando?”. Era também a forma mais confortável de você encarar alguém. Aquele olhar era seu, sempre foi seu.
A forma como você segurava a xícara de café às vezes aparece como um lapso na minha cabeça. Mas não só isso, todo o ritual de como preparar um café com leite, ficou gravado como uma sequência de movimentos ritmados, suavemente premeditados para obter o seu néctar da manhã.
Também não me esqueço da sua forma de dizer quando não dizia nada, ou quando queria ficar calada, mas sua expressão e seu olhar te denunciavam. Seus olhos sempre foram meus comparsas e seus maiores sabotadores. Eu consigo ler você completamente só com o que eles me dizem. Não sumiu da minha cabeça as vezes que você colocava a mecha mais longa do seu cabelo atrás da orelha pra se concentrar no que estava lendo, muito menos a sua capacidade de roubar todo o espaço da cama, ou puxar o travesseiro. Nem mesmo as cotoveladas e joelhadas da madrugada que me acordavam sumiram.
Suas manias sempre foram um tanto poéticas. Até seus verbetes informais e o seu sorriso eram toques característicos. Toda aquela mescla entre seriedade e quadradismo, se completava com todo o seu exoterismo e sede por explicar tudo o que não aconteceu. Por falar nisso, não esqueço nunca da sua mania de ser ansiosa, de não conseguir esperar, de não saber decidir, sua mania de sempre querer saber a última página do livro antes mesmo de começar a ler. Essa, se pudesse te forçaria a querer saber o final da sua vida sem nem ter terminado de viver (Ainda bem que você não pode, né? Sempre achei que a vida perderia a graça se você soubesse o fim).
A verdade é que elas nunca sumiram da minha cabeça. Mas quem sabe um dia elas abram espaço pra que eu perceba meus próprios hábitos, as minhas próprias manias curiosas e exclusivas que sempre passaram despercebidas porquê eu sempre estava olhando para as suas.
Ecleticamente boêmio e desesperadamente romântico. Cada pé na bunda rende mil cervejas e alguns poemas.